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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

ESPECIALMENTE PARA VC, AMIGO OLD SORCERER.



SUAS NOITES PODEM SER ORAS DE SONO ORAS DE INSÔNIA 
MAS O MAIS IMPORTANTE É 
QUE MESMO DORMINDO OU ACORDADO 
SUA LUZ NÃO DEIXA DE ILUMINAR 
UM POUCO MAIS ESSE MUNDO TÃO REPLETO DE SOMBRAS. 
QUE SUA LUZ SEMPRE ESTEJA ACESA 
SEJA DURANTE O DIA SEJA DURANTE A NOITE.

Andreia Cunha







UM FUTURO-MAIS-QUE-PERFEITO




Um futuro mais-que-perfeito

Despedira-se daquela maneira... Publicamente, de forma que todos viram o seu adeus. Impossível não ter notado tanta dor em seu gesto único... Tratava-se de um sapato... Ou melhor, tênis... Tenho certeza de que nesta altura de onde se encontra, não gostaria de ser tratado pelo nome incorreto... NÃO ERA UM SAPATO... ERA UM TÊNIS!!!

Pois então, tinha servido sua dona por bem mais de anos... Durara mais que o habitual para um tênis moderno... Viajara para muitos lugares e também sofrera por várias vezes nas intempéries do tempo e do uso constante para ir ao trabalho... Estava em diversas fotos e isso comprovava sua durabilidade e fidelidade para quem o comprara e teria de ser amigo fiel até a morte... Cumprira seu papel... Por isso, tanta comoção ao sentir o fim tão próximo...

Uma segunda-feira extremamente chuvosa datada em 23/07/2007... Meu Deus data coincidente com a também despedida da avó amada de sua dona!!! Não poderia ser um final mais lembrado... Bom, enfim não escolhera a data... (in) Feliz coincidência mesmo!!!

Naquele fatídico dia já acima citado, tivera que ser colocado pela derradeira vez para que pudesse visitar uma nova amiga de sua dona... Porém como o tempo estava chuvoso e teria que pisar os pedais respectivos da moto, ele foi encapado com um saco de mercado; um em cada pé... Na ida ainda conseguiu chegar inteiro sem dar sinais de uma despedida...

Problema mesmo se apresentou quando teve que ir ao mercado após algum tempo de conversa corriqueira... O tal era próximo menos de uma quadra... Mas eis que tudo começara a ficar mais evidente...E agora, eu como narrador, terei que dar a voz ao próprio para que com maior veracidade nós, humanos, possamos entender como um tênis se despede... Ele do outro lado ditou-me as palavras para que pudesse dar segmento a essa narrativa.Ei-la fielmente:

“No caminho, uma boca de jacaré começou a desbeiçar-me por baixo e aos risos tanto de minha dona quanto de sua nova amiga tive que começar a me entregar a uma voz maior, enquanto nos dirigíamos para o mercado foi-me impossível continuar mantendo as aparências e comecei mesmo a esfarelar-me como papel molhado... 

Agora, as gargalhadas de nervoso eram imensas e minha dona tentava disfarçar decidindo por arrastar-me... Tentativa em vão que só agravou ainda mais o meu fim... Doía-me ter de deixá-la sob vergonha pública, mas não escolhemos o dia e muito menos a hora... Era isso o que me esperava...

Cheguei até a porta do mercado semi-inteiro... Ela queria ficar ali fora esperando a amiga voltar, mas mesmo assim decidiu por entrar... Foi aí que o que ainda estava grudado não mais resistiu mesmo... Entramos ainda com certa classe apesar da boca evidente de jacaré traseira que me acompanhava... Cheguei num estado pior na seção dos refrigerantes... Lá tive minha segunda perda... Parte da meia sola desgarrou-se... Só ouvia risos extravagantes... Minha dona estava nervosa, porém continha-se naquele riso estúpido... 

Concordo que era um fato engraçado... Morria dando alegria aos outros... Na verdade, não queria choro nem vela...

 Talvez com risos fosse até melhor... Contribui para o riso, a felicidade e porque não na história que vocês estão lendo agora... O fato é que o segundo resto mortal ficou estampado no caminho daquele corredor de bebidas... Rodamos o mercado e meu irmão do outro pé também começou com a mesma agonia que já estava sentindo... A boca de jacaré...

Fomos para o caixa mais vazio que tinha por ali... Queria pelo menos sair com a semiclasse na qual entrei... Até a porta do mercado resisti, mas na descidinha da rampa para a calçada desbeicei-me de vez justamente onde estavam dois senhores conversando... Foi hilário porque as risadas agora eram inevitáveis... O restante da meia sola desgarrou-se de vez... 

Minha dona teve que caminhar como se pisassse no alto depois no fundo... ‘Tá raso tá fundo, tá raso tá fundo, tá raso tá fundo’... Até chegar a entrada do prédio... Quando por fim o pé esquerdo desabou...  AFUNDOU de vez... Partimos ali mesmo, fomos para o lixo coletivo daquele prédio estranho que não era o da minha dona... Contudo, posso dizer que esse era o meu futuro um dia... Aliás, o de todos nós... E o meu foi mais-que-perfeito, pois fui... Deixando alegria e felicidade... Embora a custo de um tanto de vergonha para minha amada dona... Sei que ela não me odiou por isso... Ela até se despediu de mim...
Agora? Ah agora reino no paraíso dos tênis... Também tenho alma... 

“Mas o melhor de tudo é ter participado da vida e ter deixado minha história para a posteridade num tempo verbal ainda inalcançado: o Futuro mais-que-perfeito...”

Andreia Cunha








BURCA DE NÚPCIAS




Em suas tradições o mostrar o corpo era o mesmo que revelar a alma. Não podia de maneira alguma mostrar o que só a ela e ao marido deveria pertencer. Poderia ser a mais bela ou a mais feia das mulheres, isto já era um motivo para não se revelar. 

Ser mulher era uma condição difícil de ser vivida. Por costumes seculares de obediência a normas e preceitos, ela não questionava para os outros, mas sentia um tremendo desconforto com aqueles aparatos.

Era muito jovem e de família rígida. Tanto que seu casamento já estava previamente definido com um tio distante e bem mais velho. Não fosse o amor, culpado de todos os infortúnios humanos, prefigurado mitologicamente no corpo de um anjo com setas, ela seria mais uma das meninas obedientes e sem maiores problemas com as tradições.

Quis o destino que fosse diferente. Numa de suas saídas conheceu um jovem estrangeiro que dela se aproximou no mercado. O encontro se deu pelos olhos, a porta de entrada para a alma e o único órgão exposto de seu corpo todo envolto em panos pretos. 

Tanto os dele, movidos pela curiosidade em saber quem era aquela jovem que o tocou com o olhar quanto ela pelas diferenças culturais tão latentes.


Com o passar do tempo, ficava complicado não pensar em como poderia se livrar das ordens verticais e mileranes e seguir um destino que fosse tão disitinto ao seu. Ele também se enamorara daqueles olhos tristes e cheios de vida ao mesmo tempo. 

Conversar só por cartas e às escondidas, tinham cúmplices. Planejamento de fuga era o plano derradeiro para a concretização do que por peça somos e estamos sujeitos pelas ironias dos deuses.

Não deu outra. Em meio a noite escura da lua nova com detalhes bem articulados, ambos fugiram. Ela, na bagagem levava sua burca de núpcias, ele seus sonhos de amor livre, leve e solto.

O que seria desse encontro em novidade de vida? Só o destino traçaria. Só os dias contariam.

Andreia Cunha









O SOBREVIVENTE-RESSUSCITADO



Saiu de casa já às pressas por causa do horário... Fazia frio e esquecera o casaco em cima do sofá... O marido percebeu e foi correndo a seu encontro... Mais que depressa, ela o agradeceu e foi para a rodoviária...
Chegando lá, uma pequena fila de espera para comprar a passagem... Segurava em uma das mãos a bolsa, uma mala de mão e na outra segurava o sobrevivente... Referia-se assim ao casaco que já o livrara do frio muitas vezes, mas que também por tantas outras quase o perdera por descuidos banais... Entretia-se com pensamentos, quando enfim chegou sua vez... Largou o que segurava momentaneamente para pagar a passagem... Ajeitou-se e foi para o ônibus que já estava para sair... Deu-se por feliz ao sentar-se em seu respectivo lugar não sem antes ajeitar seus pertences... PERTENCES? Meu Deus! Cadê o casaco? O CASACO?
Ah, Minha Nossa! Perdera de vez o sobrevivente? Agitou-se e inquietou-se de tal maneira que sua vizinha de banco teve de perguntar o motivo... Explicara com detalhes naquela típica desconcentração de quem ainda tem esperança de que tudo não passasse de um ledo engano... Mas nada... Era um sobrevivente muito estimado, além de ter custado caro... E agora, assim por mais um descaso do acaso o perdera de vez!!! Aconselhada ligou para o 102 para se direcionar ao funcionário do balcão que a atendera na compra da passagem... Demora peculiar de quem primeiramente fala com uma máquina... Mais uma espera para ser atendida pelo atendente com o número da empresa do ônibus para finalmente falar com alguém do setor... Conversa vai e vem e o ônibus já está a caminho de São Paulo... Nada encontrado!... Neide, a dona do casaco que nessas alturas já se apresentara para sua companheira de viagem, entra em franco desespero! Antes tivesse o deixado realmente no sofá... Poderia ser um indício do que estaria para acontecer... Passaria frio do mesmo jeito... Uma pequena ponta de raiva despontava em seu ser... Quando sua comoção por fim chegou ao lado oposto do ônibus... Caso o casaco fosse recuperado já não seria mais “o sobrevivente” trocaria seu nome para “ressuscitado”... Eram tantas as histórias que merecia ser rebatizado... Uma senhora de alguns bancos atrás a interpelou... Perguntando se por mera coincidência não seria aquela trouxinha acoplada numa redinha na traseira do banco a seu lado oposto encostado à janela.
Sua alegria não podia ser maior! Era ele – O SOBREVIVENTE... Elevado à condição de RESSUSCITADO de mais uma tragédia da vida moderna controlada por relógios e compromissos...
Seus agradecimentos foram tão marcantes que podíamos pensar que aquele casaco era uma extensão de seu corpo e de que sem ele, ela estaria como que nua, desprotegida um tanto desgarrada da vida...
Sorriu feliz e foi conversando com sua atual vizinha de banco os mais diversos assuntos... Até chegar ao destino antecipadamente marcado com a filha... Mas por enquanto guardara o coitado na mala de mão bem dobrado e amassado com muito amor para que desta vez este não fosse mais motivo de desatenções... Era uma manhã cinzenta e friorenta, porém com aquele reencontro de seu ser com sua extensão em forma de casaco tudo se tornou tão belo e colorido como se o sol raiasse e ela fosse um passarinho que reencontra o ninho e o aconchego do lar...


Andreia Cunha









OS NÃO-DITOS BEM-VISTOS DE MAGRITTE