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terça-feira, 14 de junho de 2011

A MOR TE DA VI DA

A  MOR  TE  DA  VI  DA


A verdade nunca lhe pareceu ter uma única face. Havia meios de reconsiderá-la sob os diversos ângulos, assim pensava. Por sorte, vivenciou para chegar a essa conclusão tão incerta quanto às verdades poderiam lhe parecer.
Tinha por testemunha ocular apenas uma pessoa que a acompanhou naquela que seria sua última empreitada. A partir do fatídico dia em que testemunhara o caso a amiga se sentia como que a guardiã de um segredo, que somente, nós, leitores partilharíamos.
Sua verdade era para ser mantida em seu corpo, trancada em seus olhos: nada sabia e caso fosse interpelada por perguntas alheias igualmente nada diria. Apenas olhares muito atentos perceberiam estranhezas de verdades em mudanças tão sutis.
O fato é que sua companheira havia sido abandonada pelo marido que, por amores fugazes, porém intensos, se apaixonara por outra tão bela e cheia de vida. Algo que já esmaecia nela e nele. Entretanto, a diferença de olhares em seus espelhos interiores era tida como contraditória. Ele não se sentia opaco e esmaecido, embora a idade não lhe negasse em aparência física. Para ele, o esplendor de folhas tenras em si mesmo produzia a juventude que julgava ter.
A esposa, desde então, sentia-se perdida nos seus dias que se sucediam sem sentido. Não sabia viver sem as muletas e agora se via jogada no chão sem forças. Doía-lhe vê-lo passar e igualmente ser ignorada por quem ainda nutria afeto.
Soube por alheios, tempos depois, que doença fatal o acometera e esta tinha prazo para ceifá-lo. À ex-mulher doeu infinitamente mais saber que a perda seria pelas forças maiores que o suposto amor por outra.
Apesar de sua latente dor, preferia seu desprezo momentâneo e saber que estaria bem nos braços estrangeiros a ter que vê-lo inerte num caixão.
Eis o grande mistério que sondou aquela mulher que invadida por um altruísmo inexplicável, rememorou uma lenda de tradição incerta que poderia ser o alívio de suas inquietações. Somente os mais experientes cidadãos daquele bairro sabiam da tal história que de tão absurda com o tempo fora desacreditada e enfim esquecida nas páginas amarelas de algumas vidas.
Ela, porém, reavivou todo o folclore e sabia que se seu pedido fosse de extremo coração, conseguiria alcançar a graça almejada.
Ambas tomavam café quando o assunto surgiu em meio aos assuntos corriqueiros:
- Sabe aquela casa...
- Qual? A da história?
- Estou pensando em...
A dita casa pertencera a uma família tradicional nas quais fatos estranhos aconteceram, deixando marcas nos arredores. Daí a surgirem boatos como fatos, foi como pólvora.
O estranho era perceber que o número de pessoas que ali adentravam depois da morte do último familiar, sempre traziam seqüelas, visto que começaram a falar que ali dentro os destinos poderiam ser trocados. Um ser obscuro tinha permissão para trocar destinos desde que tal troca fosse considerada justa e sem malefícios ao ser de fora que estava indiretamente envolvido.
Era exatamente isso o que a ex-mulher queria. Seus desejos mais íntimos seriam desdobrados no papel por mim, escritor, que não contarei como tive acesso a tais informações sem inclusive a quebra do sigilo da amiga que se manteve fiel até o fim.
Adentrando aquela casa realmente passos a direcionavam ao tal ser sombrio. Não o viu e o mesmo não se deixaria ser visto. Ali, ela ofertava sua saúde e vitalidade mesmo que esmaecida pelo tempo em troca da doença fatal do ex-marido.
Fora questionada pelo ser e a única coisa que soube resgatar de sua profundidade foi que seria preferível sua entrega como sacrifício, visto que já se sentia tocada pelo amor verdadeiro em detrimento da felicidade dos amantes. Considerava já ter vivido o suficiente para saber que o amor superaria tudo, menos a perda para a morte sem que seu amado se sentisse tocado pelo mesmo sentimento e que duas chorando pela morte de um homem não seria o melhor, pois sabia que a outra o amava tanto quanto ela.
Depositava ali seu coração em seu pedido cruel, porém julgado e analisado como justo. Ao sair, já sentia as dores. Com o passar dos dias, percebia a melhora tão grande do amado tanto quanto o desprezo dele para com ela. Isso já não mais a afetava, seu desejo fora atendido. No momento certo deixaria seu último suspiro como um alívio para quem mesmo que com desprezo a retribuísse, amara e fora capaz de ávida presenteá-lo com o que dela havia de melhor:  A VIDA.

Andreia Cunha





2 comentários:

  1. Adauto Vitor dos Santos14 de junho de 2011 às 21:27

    Mo, bom texto e palvras perfeitamente colocadas, parabens...beijos

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  2. Obrigada!!!!!!!!!!!!!! Vindo de vc é um elogio e tanto. BjUs

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