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sábado, 25 de junho de 2011

LIÇÃO DE BORGES



Vencida pelo cansaço, deite-me no sofá. Em seguida, ele veio e sentou-se na beirada que sobrava. Logo que chegou senti um aconchego de casa e uma vontade de colo. Logo fui acolhida mesmo sem dizer palavra alguma. Afagou-me por uns minutos e me convidou para uma partida de xadrez.
Não sei por que resolvi aceitar. Não era fã do jogo. Pelo contrário, mal sabia jogar, mas ele me disse que teria paciência de me ensinar. Dizia: ‘jogar xadrez é se preparar para a vida. Não saber jogá-lo é um desperdício. ’
Tomei aquelas palavras como uma repreensão gentil de quem quer ensinar a arte milenar das jogadas que podem nos surpreender nesse breve passar que nos rodeia em oxigênio. Sabia de sua deficiência e imaginava, por isso, talvez ser uma boa oportunidade para vencer dele pelo menos uma vez. Mal sabia eu que ele sabia de minhas intenções. Era vivido, experienciado pelo mundo, suas viagens, leituras e o tato além dos olhos.
Por companhia tinha seu animal de estimação: um tigre. Ninguém ousava pousar-lhe a mão para um carinho, pois apesar de criá-lo, fazia questão de manter no felino seus instintos primitivos. Ele era seu guardião. Eram como um só ser. Os olhos do tigre eram os seus.
Levou-me para seu recanto preferido e o meu também, o dele pelo prazer de sentar e ler e eu, por bisbilhotar novas imagens, na ânsia das peripécias infantis. Perto dele, sentia-me uma eterna criança com muito a aprender e mais a ouvir do que ousar sequer abrir a boca. Nutria grande respeito e admiração. Tanto que aceitei o convite, saindo dos braços de Morfeu para os seus ávidos por me ensinar algo.
Ajeitamo-nos numa mesa circular de madeira escura, cadeiras antigas e muito confortáveis. Ao sentar, parecia sumir naquela infinitude de cadeira esculpida pelo tempo. Logo reapareceu com o tabuleiro e as peças postas a qual carregava com impressionante destreza. Sempre me causava espanto e alegria saber que mesmo em sua deficiência era capaz de coisas as quais achávamos que já não mais poderia na atual condição. Deficientes éramos nós que o julgávamos assim.
Começou por me apresentar as peças. Mostrou-me igualmente os movimentos que cada uma podia fazer e qual o objetivo do jogo. Confesso que prestei atenção, mas não o suficiente para iniciar uma primeira partida. Mas quanto a isso, logo replicou: ‘ só se aprende na prática, como aprender a jogar sem jogar? Como cair e não mais se levantar? Uma hora os erros ensinam e se domina as artimanhas do jogo. Isso é arte. A arte.’
Enquanto jogávamos e me dava dicas com os olhos do tigre que eram os seus, ele me contava o que antes ninguém sabia...
 Seu futuro não era um mistério. Tivera a oportunidade divina de se encontrar com ele mesmo quando novo. Era o novo e o velho. Dois eles, dois dele. Sabia então suas dores vindouras e soubera com isso ajustar-se a elas. Após a conversa um tanto nonsense, o novo preferiu ignorar e não ir ao reencontro que combinaram para o dia seguinte, mas não se esqueceu do que viria se é que aquilo realmente seria seu futuro. Soube pelo amigo que o outro também furou para a comemoração ante sua desistência.
Com isso, percebeu que o jogo era parte dele. Ele era parte do jogo e que sabendo movimentar as peças sendo jogador e participante do jogo como peça, poderia se chegar a lugares inimagináveis. Não foi fácil aprender. Tudo leva o tempo que tem que ser.
Quanto a mim? Ouvia com mais atenção as suas palavras que ao jogo em si. Sua fala era brilhante, suas histórias saiam com cor, luz e vida. Não eram mortas, eram mais vivas que nós naquela biblioteca. Toda minha intenção em talvez ludibriá-lo cessou quando seu universo se apresentava pleno sem sombras da hora mais clara do dia.
Não tinha os macetes de entender que o que ele queria de mim era atenção em ambas as partes. Quando, por fim, deu-me o xeque-mate.
Minha lição foi entender que quando se joga, o foco é o jogo. A conversa é importante, dela se pode tirar conhecimento, contudo é o jogo na qual se participa de ambas as formas que se prioriza. Caso contrário, você é eliminado.
Não tive chances de agradecê-lo. Sentia que alguém me tocava bruscamente... Era um sonho, o melhor e mais produtivo que já tive. Só preciso agora aprender a jogar xadrez.

Andreia Cunha









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